A Igreja Católica tem um histórico profundo e documentado de contribuição e defesa do desenvolvimento da ciência, desmascarando a ideia de que seriam inimigas. Ao contrário, a Igreja e seus clérigos-cientistas frequentemente defendem que a ciência é uma aliada da fé, auxiliando na busca por uma compreensão mais aprofundada da crença. Para eles, a pesquisa científica pode ser uma forma de oração, revelando “vestígios do Amor no universo”.
Essa perspectiva de compatibilidade entre fé e ciência é reforçada por documentos importantes como a Constituição Pastoral Gaudium et Spes do Concílio Vaticano II, que, embora reconheça atitudes de desrespeito à autonomia das ciências no passado, presta homenagem ao processo científico, afirmando que “Quem investiga com humildade e perseverança o segredo das coisas é conduzido, mesmo sem o saber, pela mão de Deus”.
Dom Dimas Lara Barbosa, por exemplo, destaca que a ciência desafia a fé positivamente, impulsionando a busca por argumentos mais sólidos, e que “a fé esclarecida deve questionar sim, mas questionar como amigo”. Ele inclusive afirma que “a evolução é a maneira pela qual Deus cria, só isso”, não vendo incompatibilidade entre criação e evolução.
Histórico de Contribuições da Igreja Católica para a Ciência:
A contribuição da Igreja Católica para a ciência é vasta e abrange diversas áreas, desde a fundação de instituições até as descobertas individuais de clérigos-cientistas:
- Fundação de Instituições de Ensino e Pesquisa:
- A Igreja foi a matriz das primeiras universidades do mundo, como Oxford, Cambridge, Sorbonne, Bolonha, Montpellier, Compostela, Salamanca e Coimbra, criando um ambiente fértil para o estudo e a pesquisa científica.
- Além das universidades, a Igreja fundou hospitais e fomentou os mosteiros como importantes centros de educação e conhecimento.
- O Observatório Astronômico do Vaticano, com cinco séculos de existência, é um exemplo contínuo desse compromisso. Seus pesquisadores, em sua maioria jesuítas, realizaram descobertas significativas, como uma nova abordagem matemática sobre o Big Bang.
- O Papel Fundamental de Ordens Religiosas:
- Os Jesuítas são amplamente reconhecidos por suas contribuições científicas. Foram descritos como “o contribuinte unitário mais importante para a física experimental do século XVII” e fizeram avanços significativos em sismologia, a ponto de ser conhecida como “a ciência dos jesuítas”. Contribuíram para o desenvolvimento de relógios de pêndulo, pantógrafos, barômetros, telescópios e microscópios, além de campos como magnetismo, ótica e eletricidade. Observaram faixas de Júpiter, a nebulosa de Andrômeda e os anéis de Saturno. Cerca de trinta e cinco crateras da lua foram nomeadas por cientistas e matemáticos jesuítas, demonstrando o compromisso da Igreja com a astronomia.
- Os Beneditinos tiveram um papel crucial na preservação do conhecimento e no desenvolvimento científico na Idade Média. São Bento é considerado o “pai da Europa” devido à sua influência na civilização europeia, que emergiu do caos dos povos bárbaros graças aos monges beneditinos que sustentaram a sociabilização.
- Clérigos-Cientistas e Suas Contribuições Notáveis (exemplos):
- Guido d’Arezzo (c. 992-1050): Monge que criou o sistema de representação das notas musicais (do-ré-mi-fá-sol-lá-si-dó).
- Papa Silvestre II (c. 946-1003): Promoveu conhecimentos árabes de aritmética, matemática e astronomia na Europa, reintroduzindo o ábaco e a esfera armilar.
- Alberto Magno (c. 1206-1280): Doutor da Igreja e padroeiro das ciências naturais, precursor da ciência moderna, com trabalhos em física, lógica, metafísica, biologia e psicologia. A ele se atribui a descoberta do arsênio.
- Roger Bacon (c. 1214-1294): Franciscano, considerado um precursor do moderno método científico e contribuidor para a matemática e ótica.
- Jean Buridan (c. 1300-1358): Formulou ideias iniciais sobre impulso e movimento inercial, pavimentando o caminho para a dinâmica de Galileu e o princípio da inércia de Newton.
- Nicole Oresme (c. 1323-1382): Bispo, economista, matemático, físico, astrônomo, filósofo e teólogo, um dos pensadores mais originais da Idade Média.
- Nicolau de Cusa (1401-1464): Cardeal, filósofo, jurista, matemático e astrônomo, um dos grandes gênios do século XV.
- Nicolau Copérnico (1473-1543): Cónego e astrônomo renascentista, fundador da astronomia moderna, que desenvolveu a teoria heliocêntrica.
- Luca Pacioli (c. 1446-1517): Frade franciscano, conhecido como o “pai da contabilidade moderna” pelo pioneirismo no método das partidas dobradas.
- Cristóvão Clávio (1538-1612): Jesuíta astrônomo e matemático que liderou a comissão que produziu o calendário gregoriano.
- José de Acosta (1539-1600): Jesuíta naturalista que estudou a teoria da evolução séculos antes de Darwin e fez avanços na geologia.
- Francesco Maria Grimaldi (1618-1663): Físico e matemático italiano que descobriu a difração da luz e investigou a queda livre de objetos.
- Athanasius Kircher (1602-1680): Jesuíta matemático, físico, químico e inventor, considerado o criador da geologia moderna. Foi o primeiro a defender que as doenças eram causadas por microrganismos (antes de Pasteur).
- Bartolomeu Lourenço de Gusmão (1685-1724): Padre brasileiro, um dos precursores da aviação, homenageado com uma medalha pela Força Aérea Brasileira.
- Ruđer Bošković (1711-1787): Polímata jesuíta, físico, astrônomo, matemático e filósofo, muitas vezes creditado como o pai da teoria atômica moderna e precursor da teoria da relatividade, com trabalhos que influenciaram cientistas como Laplace, Gauss, Euler e Einstein.
- Roberto Landell de Moura (1861-1928): Padre brasileiro que fez a primeira transmissão de voz sem fio do mundo em São Paulo, sendo o patrono dos radioamadores no Brasil.
- Gregor Mendel (1822-1884): Monge agostiniano, reconhecido como o “pai da genética” por suas pesquisas com ervilhas que revelaram as leis da transmissão dos caracteres hereditários.
- Jean-Baptiste Carnoy (1836-1899): Padre botânico, pioneiro no estudo das células e fundador da citologia, criador da “solução de Carnoy”.
- Georges Édouard Lemaître (1894-1966): Sacerdote e cientista belga, precursor e “pai da teoria do Big Bang”, cuja teoria foi posteriormente confirmada e aceita por Albert Einstein.
Dom Dimas Lara Barbosa: Engenheiro e Arcebispo, Um Elo entre Ciência e Fé
Dom Dimas Lara Barbosa, o atual Arcebispo Metropolitano de Campo Grande, em Mato Grosso do Sul, é um exemplo contemporâneo da harmonia entre a ciência e a fé dentro da Igreja Católica.
Sua trajetória de vida é notável. Nascido em Boa Esperança, Minas Gerais, em 1º de abril de 1956, Dom Dimas trilhou uma carreira promissora antes de sua vocação sacerdotal. Ele se graduou como engenheiro eletrônico pelo renomado Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), em São José dos Campos, em 1979.
Durante sua fase como engenheiro, trabalhou ativamente na construção de foguetes no Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE) do Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA), onde seu grupo era responsável pela ogiva, corpo e “rabo” do foguete, utilizando materiais compostos. Ele também completou um mestrado em eletrônica e teve uma breve passagem pela empresa Ericsson.
Seu interesse pela matemática e ensino já se manifestava desde a infância, quando, aos 11 anos, dava aulas de matemática para colegas.
Apesar de sua carreira científica, Dom Dimas relata que começou a sentir um chamado mais forte para a vida religiosa durante o segundo ano da faculdade, intensificando-se após o mestrado.
Embora tenha enfrentado questionamentos e incertezas durante seu seminário em Teologia no Instituto Teológico Sagrado Coração de Jesus, em Taubaté, a decisão pelo sacerdócio sempre prevaleceu. Foi ordenado padre em 3 de dezembro de 1988.
Após sua ordenação, Dom Dimas Lara Barbosa foi convidado a lecionar Filosofia da Ciência no ITA, sua alma mater, mesmo com a relutância inicial devido à sua formação teológica. Essa experiência o permitiu construir um diálogo robusto entre ciência e fé em sala de aula.
Sua carreira episcopal é igualmente destacada: foi bispo auxiliar de São Sebastião do Rio de Janeiro de 2003 a 2011, Secretário-Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) de 2007 a 2011, e tomou posse como Arcebispo de Campo Grande em 10 de julho de 2011.
Ele também atuou como presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a Comunicação Social e como segundo vice-presidente do CELAM. Em 2009, foi listado pela Revista Época como um dos 100 brasileiros mais influentes.
A união da sua formação científica com a fé é um pilar em sua vida. Ele defende que “a ciência é uma aliada na busca por uma compreensão mais profunda e fundamentada de sua crença”.
Para Dom Dimas, a ciência, em vez de minar a fé, a desafia positivamente, levando a uma busca por argumentos mais sólidos. Ele exemplifica isso com a Teoria da Evolução, afirmando que “a evolução é a maneira pela qual Deus cria, só isso”, e que não vê grandes problemas entre ciência e fé.
Recentemente, em abril de 2024, Dom Dimas retornou ao ITA para uma visita institucional, reencontrando professores e colegas, o que demonstra seu apego e reconhecimento às suas origens científicas. Ele brinca que a “ciência, o casamento e a fé são histórias de amor”, refletindo uma visão de que a pesquisa pode ser uma forma de oração, encontrando “vestígios do Amor no universo”.